terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Velho Chico

Chega a época de campanha e são levados ao palanque os temas mais contundentes, os que podem mobilizar mais, os mais polêmicos. Na hora de mostrar suas particularidades e sua dita superioridade, o político não se afirma mostrando ser melhor para a população. Ao invés disso, apenas nega ser tal qual o atual governo.
Um projeto mencionado e questionado é a transposição do Rio São Francisco. Defendido por uns e criticado por outros, o projeto foi definido por um candidato como melhoria para o agronegócio. Ideologias à parte, o que não é mencionado por muitos, e que deveria ser bandeira agitada por todos, principalmente pelos partidos que fazem a linha ecologicamente correta, é o risco ambiental de tal medida.
Os brasileiros adoram imitar o que os norte americanos fazem, contudo, ao invés de usarem a velha máxima que nos recomenda aprender com o erro dos outros, insistimos em copiar apenas o que nos convém ou convém às grandes empresas. Mas um erro estadunidense que muito nos seria útil é o caso dos Everglades.
Aqui no Brasil, o projeto do Velho Chico quer dividí-lo, criar um braço que não existe e, tecnicamente, levar água pra regiões por onde o rio não passava antes. Assim, resolveria-se o problema da seca nessas localidades não contempladas pelas águas do São Francisco. Porém, a natureza é cheia de artimanhas e pode não ser bem como o planejado. Aí entra o caso Everglades.
O Everglades é uma área muito parecida, em fauna e flora, com o nosso Pantanal. É um brejo, um terreno alagadiço, difere basicamente por ter contato direto com o mar. A região fica próxima da turística Miami, e suas peculiaridades desagradavam "os donos do dinheiro", pois a chuva que alimentava o lago da região (o Okeechobee) não só alagava a área dos Everglades e reduzia a área disponível para uso, como também alagava as áreas colonizadas (porque a água que encharcava o solo pantanoso ia se infiltrando por baixo da terra e escorrendo lentamente até chegar ao mar, e antes de chegar ao oceano era preciso passar por lugares habitados), gerando desconforto a quem lá estava.
O rio que levava a água até o lago foi dragado e retificado (facilitando o escoamento) e, partindo do lago, foram feitos canais facilitando a chegada da água da chuva até o mar, reduzindo o trajeto para dias ou horas. Fim das inundações e começo da ocupação da área que antes era brejo, a economia cresce, aumenta o turismo, parecia tudo muito bom até que a Mãe Natureza reclamou: sem a água da chuva encharcar o solo, a água que começou a saturar os poros da terra era a água do mar, que lentamente subia sob a terra e passou a vir à tona em poços e cisternas.
Foi então preciso um esforço enorme e uma quantidade ainda maior de dinheiro para recuperar a área e espantar a ameaça de falta de água em outras regiões devido às alterações no curso d'água. Vários canais foram destruídos e o trajeto original do rio Kissimee, que leva água ao lago Okeechobee teve que ser redescoberto. Estima-se que demorá 20 anos para que a recuperação seja completa.
E tudo isso antes da crise. Isso foi matéria do Globo Rural em 2006. Para saber mais a fundo basta ver na página deles.
Então o que será do Nordeste, de solo já tão árido, com essa mudança tão brusca? Será que o rio São Francisco aguenta se dividir em 2? E o principal, caso ele não tenha forças para se manter, e tenhamos duas regiões áridas ao invés de uma, será que poderemos recuperar o leito do rio?
A transposição é uma loteria cujo preço a se pagar pode ser caro demais. Em outros tempos, a Terra do Tio Sam teve dinheiro para buscar solucionar o problema, mas num país já tão castigado como o nosso, teremos os recursos necessários ou deixaremos ambas as populações (a antes atendida pelo rio e a que seria atendida com a transposição) à mingua?