sábado, 1 de agosto de 2015

Em respeito à saudade

Meu pseudo-moleskine *-*                                               Foto: Alyne Bittencourt

Não sei se isso vem da minha relação antiga com as palavras, se é porque eu sempre gostei muito de escrever, mas o fato é que eu valorizo muito as palavras e acho que algumas delas pedem para serem usadas mais vezes, enquanto outras merecem respeito, precisam quase de uma cerimônia antes de serem faladas.

E "saudade" é uma das que se encaixam no segundo grupo. Saudade é um dos sentimentos mais intensos que a gente tem, é intraduzível (ainda não ouvi qualquer palavra em outra língua que chegue perto). Enquanto o "amor" foi banalizado, e "eu te amo" virou "bom dia", dizer que está com "saudades" devia ser o elogio máximo, a maior honraria que alguém pode merecer.

Não gasto saudade à toa. Saudade é sentimento que precisa ser merecido, precisa justificar essa falta, essa vontade de estar perto, de ouvir a voz, de rir junto.

Escrevendo o texto, não sei como terminar, talvez porque a "saudade" seja algo que, de fato, nunca termina, só "dá um tempo". Ela dorme enquanto as pessoas estão perto e acorda com toda fúria ao menor sinal de despedida.

domingo, 29 de março de 2015

Se eu gostasse de escrever...



Minto quase todos os dias dizendo que gosto de escrever. Se eu gostasse mesmo, escreveria por dinheiro. Leria os romances da moda, criaria um assim, daria autógrafos, palestras e apareceria na TV. Ou criaria um blog com textos daqueles que todos gostam de ler e compartilhar.

Mas eu não gosto de escrever, descobri lendo Rubem Fonseca. Sou aquele escritor que escreve porque precisa, porque não sabe viver de outra forma. Porque de outro jeito o mundo que mora em mim não transbordaria e, fatalmente, me sufocaria.

Escrevo porque algo me faz ter que pegar a caneta e marcar o papel ou bater as teclas e ver palavras surgirem na tela.

Escrevo porque, como diz Drummond, "meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores". Mas não, Drummond, nem sempre me conto e nem me dispo. Mas sempre me escrevo e me versifico para ver-si-fico melhor.

sexta-feira, 20 de março de 2015

De frente pro medo



Medo. M-E-D-O. Tá aí a palavra que você estava evitando, não queria encarar. Pra fugir dele, inventou outros nomes, atribuiu tudo ao nervosismo. Mas no fim, se resume a ele, o medo. E vai além: é o medo de falhar.

Você nunca gostou de perder e não mudaria agora, não é mesmo?

Só que uma hora, a rua sem saída chega ao fim, e você fica diante de uma parede: seu medo. E ou você volta, retrocedendo na vida, ou encara o temor e põe no chão a barreira.

O problema é o maldito "e se", quase mais paralisante que o próprio medo. Medo. Palavrinha poderosa. Só de lê-la sobre o fundo branco, seus olhos já se enchem de água.

De nada adianta fingir coragem, sem ter a força de seguir em frente, assumir os riscos, aceitar as falhas, aprender com elas e continuar.

Mas o medo é forte e paralisa, embaça a vista. Como seguir? Mas também, como desistir?

O quanto você realmente quer o seu objetivo será o combustível pra encarar o desafio, embora a fórmula seja mais fácil no papel do que na prática.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Um Rio que eu não reconheço

Vista do alto do Morro de Paciência (um bairro que eu juro que faz parte da cidade do Rio)


Com o aniversário da cidade, multiplicaram-se na TV, nos jornais e no Facebook as homenagens ao Rio de Janeiro. Na maioria das imagens e frases, referências à Zona Sul, como se o aniversário fosse só daquela parte da cidade. Foi lá que o Rio foi fundado, vai ver é por isso. Me engana que eu gosto. Das poucas imagens de fora, a maioria era da Zona Norte, umas poucas e minguadas lembravam a Zona Oeste, quase um prêmio de consolação.

Tem ainda a lista de "hábitos cariocas", e de novo uma exaltação à Zona Sul. Vendo tudo isso, fiquei me sentindo um tanto de fora. A cada resposta de "o que é carioquice?", menos carioca eu me sentia. Eu sou carioca, de gema, nascida e criada no purgatório da beleza e do caos. Mas nunca fui à praia em Ipanema ou Copacabana e ODEIO mate (me julgue!).

Quando criança eu ia à praia com certa frequência, mas levávamos lanche de casa. Nunca soube jogar frescobol. Altinho? Não tenho habilidade pra isso. Sou carioca e gosto de samba, o que não me faz mais carioca do que quem só gosta de rock ou de axé.

Nasci e cresci na Zona Oeste, em Paciência, bairro carioca que muita gente julga fazer parte de outra cidade (se comparar com alguns bairros da Zona Sul, bem que parece outra realidade mesmo). O pôr-do-sol atrás do morro meio ao longe é um dos meus preferidos. Mas Paciência não aparece no Rio 450, a concessão máxima foi feita à Zona Norte, que ganhou a terceira sede da prefeitura do Rio.

À Zona Oeste e seus moradores sobra o lamento nas redes e a realidade de pouco investimento, exposta em reportagem publicada no dia do aniversário da cidade, contando que surpresa que a despoluição da Baía de Sepetiba recebe muito menos verba do que a Baía de Guanabara.

Uma propaganda veiculada na data comemorativa diz que uma nova cidade está nascendo. Me pergunto se no Novo Rio há mais espaço (e cuidado) pra Zona Oeste.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Todas essas que eu nunca serei



Ela se olha no espelho, retoca o batom, checa se o rímel escorreu, ajeita o vestido e sai. Parece que anda em nuvens e se equilibra com desenvoltura sobre o salto alto do sapato azul. Esse sapato com esse vestido? Como ela consegue ficar bem assim?

Todos os dias essa moça e tantas outras passam na minha frente como em um desfile. E então eu vejo todas essas que eu nunca serei.

Pode passar creme, prender o cabelo, botar maquiagem e comprar roupa cara, nada parece suficiente para me salvar de mim mesma. Mesmo o básico é um desafio: combinar as roupas e criar um "look", andar com desenvoltura, sem ser desajeitada ou esbarrar nas coisas, interagir com as pessoas superando a timidez e o medo de parecer idiota.

E a academia, então? Parecia errado. Mesmo copiando exatamente os passos da professora não tinha como fazer aqueles pulinhos na mini cama elástica parecerem certos.

O tempo vai passando, e com ele vão mais dessas moças que comem muita salada, que saem sempre, que sorriem com naturalidade e fazem rir sem precisar recorrer a piadas ou palhaçadas -- afinal, todo gordinho é engraçado, né? Tem na manga aquelas piadinhas que compensam com ~humor~ o fato de não se encaixar nos padrões de beleza. Que gordinho nunca? Eu (quase) sempre.

Se no quebra-cabeça a gente se frustra com a peça que falta, eu me sinto a peça que sobra e que não se encaixa nos padrões de nada (beleza, comportamento, escolhas...). E todo dia eu volto pra caixa, como se o jogo fosse mudar de um dia pro outro, como se um novo desenho fosse surgir com um espacinho pra mim.