segunda-feira, 16 de setembro de 2013

As pessoas de Pessoa e as minhas

Reprodução/Internet

Não sei quando se deu meu primeiro contato com Fernando Pessoa. Muito provavelmente foi em algum livro de História, na parte sobre as Grandes Navegações, e apenas com o clássico trecho:

Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal

Só muito tempo depois li o poema inteiro, e achei injusta a falta dos outros versos nos livros.
Também não sei como Pessoa se tornou um dos meus poetas favoritos. Talvez tenham sido suas frases de efeito.

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente

Esta frase do português sempre me rondou a cabeça enquanto eu escrevia. Talvez por na minha poesia eu colocar muito de mim, mas também por ser poeta fingidor, e escrever ali, como se fossem minhas, as dores alheias.

O rapaz gostava da moça, mas ela era totalmente indiferente. E eu ali, na ponte entre os dois. Acabaram surgindo dois poemas que, se ele escrevesse de próprio punho e entregasse a ela, não haveria dúvidas que a autoria era dele. Talvez ele ganhasse um prêmio de "piegas", ou talvez um sorriso dela, e a chance de que precisava.
 
Outra vez, à toa, e um pouco com as minhas dores, lembrei de um amigo - com as suas -, um que tinha dito que iria cometer suicídio - o que quase me fez morrer junto. Surgiu, então, outro poema que, escondendo a assinatura, ninguém julgaria meu. Mas alguém viu o texto - assinado - e, de tão fingidora que sou, acharam que era eu quem passava por tudo aquilo.

Sê plural como o universo

Essa é outra das frases dele que me encantam. Sempre que leio penso: "Droga! Por que não escrevi isso?!" E Pessoa realmente era um universo. Quantos heterônimos? Até hoje ninguém sabe ao certo. Surgem uns novos, questionam-se outros. Eu já quis criar um heterônimo, mas acho que não é bem assim, é preciso talento para essas coisas.

Porém, acho que, de um jeito ou de outro, acabei criando meus heterônimos sem saber. Talvez essa busca pelo heterônimo tenha me feito escrever coisas tão diferentes. De poesias rimadinhas com pontuação rigorosa a poemas com cara de literatura contemporânea: fragmentados, quase sem nexo, um tanto frios.

Fernando Pessoa não é uma unanimidade para mim. Alguns de seus poemas já me incomodaram. Ainda bem que tem a velha frase de Nelson Rodrigues dizendo que "toda unanimidade é burra". Enquanto isso, continuo na minha jornada de tentar ler todos os poemas de Pessoa, ou melhor, de todas as pessoas do velho Pessoa.

domingo, 15 de setembro de 2013

Indiferente, eu?

Jovem em acampamento de refugiados sírios - KHALIL MAZRAAWI / AFP

























"A gente se acostuma com tudo", é o que dizem. "Só incomoda no começo, depois você se habitua". Acho que é uma das frases mais ouvidas por quem escolhe uma profissão que lida com a morte. Entre elas está a "menos nobre": o jornalismo.

Morte e sofrimento são parte do noticiário. "Desgraça é o que vende".

A verdade é que a gente fica balançado. Bom, pelo menos eu - mera iniciante - fico. No final da última semana eu me deparei com duas coisas que mexeram comigo, e elas se autocompletavam. Primeiro, o mero corte de uma foto para ilustrar uma matéria (é a foto que inicia o post). Depois, um texto publicado no site do New York Times que mexeu com os meus lados humana e fotógrafa wannabe.

Apesar da fama de durona - até de coração de pedra já me chamaram -, não sou tudo que dizem, e fiquei com o coração apertado ao olhar repetidas vezes para a foto.

Enquanto alguns repórter experientes dizem que é importante se distanciar do fato, outros defendem que é importante se envolver sim, que isso ajuda o texto.

Ajudando ou não, meu coração bateu mais apertado ao ver o menino da foto. A legenda original da agência dizia que ele vendia latas de atum e outros gêneros alimentícios. Olhava o rosto dele e me imaginava ali: fugida do meu país, temendo uma bomba iminente, sob o sol escaldante, tentando vender qualquer coisa para sobreviver. E pensei comigo: "Em que merda de mundo vivemos". A Síria em guerra há dois anos. Os EUA querem pôr fim ao conflito com mais ataques. Mas, sem a intervenção, os sírios podem continuar em meio a um embate sem fim. É a velha história do "entre a cruz e a espada".

O texto do NYT é justamente sobre um fotógrafo que vive a "vergonha da memória", que diz ter chegado a muitos lugares parecendo ser o "salvador da pátria", mas tudo que ele tinha era a câmera para registrar toda aquela miséria.

Diariamente o jornalismo se vê às voltas com isso. Um buraco na rua, a falta de saneamento são coisas simples. Uma reportagem ou duas e a coisa melhora. Mas a miséria, o sofrimento profundo, esse não tem série especial que resolva.

E coitados de nós, até nos calejarmos. Ainda que menos do que eles, sofreremos junto de cada um.

Abaixo, o documentário "Abaixando a Máquina", com fotojornalistas contando como é cobrir os casos de violência e tragédia. É longo, mas vale a pena para entender que há seres humanos tanto na foto quanto por trás dela.